O Movimento Trance Psicodélico

Fragmentos do TCC de Letícia Carla Pamplona: A arte psicodélica na estamparia artesanal

Fotos por Doraci Machado | página do fotógrafo |

Continuação da linha de raciocínio: O movimento Psicodélico

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Trance é uma palavra inglesa que significa transe ou êxtase, experiência definida por estados alterados/elevados da consciência, induzidos pela meditação ou pela estimulação dos órgãos sensoriais do organismo.

O termo “psicodélico” foi criado pelo psiquiatra canadense Humphry Osmond, em 1953, sendo posteriormente adotado pelo movimento político-cultural dos anos 60.  Uma das definições, feita por Carneiro em 1994 é:

“Como expressão da contracultura, o movimento hippie (psicodélico) representou uma defesa política da autonomia sobre a intervenção psicoquímica voluntária contra a política oficial do proibicionismo estatal que retira do indivíduo o direito de escolha sobre a estimulação química do espírito”

Evolução da música psicodélica

Durante a evolução do movimento psicodélico nos anos 60 e 70, quando os jovens se “rebelaram contra a sociedade e reivindicaram a extensão dos direitos de livre-disposição do corpo e de autonomia sobre si próprio”, muitos jovens foram em busca dessa liberdade.

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Os jovens hippies fugiram da vida nas cidades industriais, buscando integração e harmonia com a natureza, escolhendo Goa, na Índia, como local para realizarem suas festas psicodélicas nas areias das praias, com trilhas sonoras que iam de Janis Joplin a Pink Floyd, fazendo uso do LSD (ácido lisérgico) e muita experimentação musical. Estes jovens, ao adotar uma posição contrária ao sistema, promulgaram formas de vida alternativas e contraculturais, opondo-se aos valores dominantes na sociedade capitalista, como o trabalho, dinheiro, materialismo, conformismo, burocracia, propriedade privada, repressão, segregação racial, distinção de classe social, etc.

No início dos anos 70 ocorreram em Goa as primeiras free-parties, tornando-se conhecidas mundialmente a partir dos anos 80. Nos anos de 86 e 87, dá-se início às primeiras free-parties européias em Ibiza, na Espanha, coincidindo com a explosão da acid house (estilo de música eletrônica).

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O estilo musical Goa Trance (precursor do Psy Trance) surgiu no início dos anos 90 em Goa, com base nos efeitos do Acid House, sendo um dos pioneiros o artista Goa Gil. Sua evolução surgiu da mistura de gêneros musicais como New Beat, New Wave, Electro e Rock psicodélico, resultando em uma ressonância que levava os ouvintes a estados elevados da consciência.

Grande parte dessa cultura inclui elementos do hinduísmo, budismo e xamanismo, fazendo referência à India, berço do trance. O trance psicodélico que conhecemos atualmente deriva diretamente do Goa trance, desenvolvendo-se a partir de sons únicos e complexos com características específicas. À sua poderosa base rítmica juntam-se elementos eletrônicos e 2 Free-parties são festas ao ar livre em que a entrada é livre.

Festas e festivais de trance psicodélico

Os Festivais de Trance Psicodélico são celebrações multicoloridas preparadas pelos amantes da cultura psicodélica, os neo-hippies. Os neo-hippies são a evolução dos hippies dos anos 60 e 70, porém, houve uma constante renovação tecnológica na música, na computação gráfica que contribuiu com as artes, que antes eram somente estáticas e agora são animadas, e na qualidade dos aparelhos de som. Contudo, a ideologia psicodélica é a mesma. As festas de “psytrance”, surgiram há mais ou menos 20 anos no Brasil, porém o investimento em arte e cultura são encontradas nos festivais deste mesmo estilo de música.

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Em entrevista para Nascimento (2005), Dario, organizador do festival de trance psicodélico “Universo Paralello”, realizado anualmente na praia de Pratigí, na Bahia, diz que o objetivo do festival é despertar as pessoas para a ilusão causada pela engrenagem gerada pelo sistema controlador que manipula toda a sociedade e, com isso, contribuir para um mundo com mais preservação, mais cultura e mais respeito entre as pessoas.

As festas trance são celebrações onde se atravessa diferentes estados espirituais sob o efeito estimulante das cores, luzes e movimentos, sendo realizadas em lugares considerados centros energéticos, como praias, florestas, ruínas, etc. A decoração alude a divindades totêmicas, egípcias, pré-hispânicas, hindus, psicodélicas e cósmicas. A característica principal dessas festas é que elas não se baseiam apenas na música, incorporando também elementos locais e ancestrais, e criando, dessa forma, todo um movimento cultural em que se baseia o conceito e planejamento do evento, em uma atmosfera de tolerância e aceitação. A organização de uma festa trance é, portanto, semelhante a um ritual, onde o elemento primordial é a harmonia entre as pessoas, para que assim se possa alcançar os estados elevados da consciência, convertendo-se a festa em um ser vivo e inteligente, em completa harmonia com a natureza e o cosmos.

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Por trás dos festivais de trance psicodélico existe um “Movimento Global da Cultura Psicodélica”, envolvendo a música, a dança e o uso de variados tipos de psicoativos, buscando através da arte, do conhecimento e da espiritualidade, ampliar a consciência das pessoas para atitudes e sentimentos de amor, paz, união e respeito.

A estrutura de um festival envolve: chill-out, local de descanso com música ambient; a pista de dança e a decoração psicodélica “que envolve muitas cores, símbolos, formas geométricas, e luzes fluorescentes. E também acontecem as projeções de imagens visuais, podem direcionar a experiência, pois colocam as pessoas em contato com muitos simbolismos e mensagens implícitas através das imagens e formas”.

Todos esses elementos podem ser pensados como direcionadores das experiências transcendentes que ocorrem quando se faz uso de substâncias psicoativas, as mais usadas entre os participantes são: o cacto São Pedro, o Peiote (mescalina), cogumelos, várias espécies de cannabis, a ayahuasca (chá), e também o DMT sintetizado.

A arte psicodélica em transformação

O artista Marcelo Jaz, em entrevista para Nascimento (2005) durante o festival Universo Paralello, aponta o movimento psicodélico como um movimento estético e artístico. O código estético é baseado na amizade entre todos os participantes do movimento, na preocupação com o planeta, com o corpo, com a mente, com o espírito, enfim, são pessoas com um nível de comunicação mais sensível, mais predispostas ao diferente.

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A estética concebida durante os festivais vem do sentido original do termo, aisthètikos, de aisthanesthai, “sentir”. Portanto, este estado trata-se de um transe de felicidade, de uma emoção, uma sensação de beleza, de admiração, de verdade e, no parodoxismo, de sublime. Essa estética aparece tanto nas artes e nos espetáculos (música, canto e dança), como também nos odores, no paladar, na natureza, no encantamento diante do espetáculo da natureza, como no nascer e no pôr do sol.

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Seguindo com o artista Marcelo Jaz, que faz a decoração do Festival Universo Paralello, diz que suas referências são retiradas do eletrônico, do cibernético e da natureza, fazendo uma analogia entre a cidade e a natureza. Além trabalhar com símbolos que contenham significados intrínsecos.

Ao pensar no movimento trance como expressão de uma ‘cultura estética’, pode considerá-lo como proposta de uma nova realidade. Na qual, a natureza e o mundo objetivo não são mais experimentados como um domínio sobre o homem (tal como na sociedade primitiva), nem como dominados pelo homem (como na civilização atual); mas pelo contrário, são experimentados como objetos de ‘contemplação’ que libertam o ser humano da escravidão, transformando-o em livre manifestação de potencialidades.

Nos festivais de trance psicodélico as pessoas podem jogar com suas potencialidades, podem trabalhar com seu corpo, com a sua imaginação. Para isso são oferecidas oficinas de arte, como mandalas, massinha, malabares, entre outras. Além de acontecerem performances na pista de dança. Priscila, uma das organizadoras destas atividades no festival Universo Paralello, relata que nestes festivais as pessoas podem ser elas mesmas, podem ser personagens, seja numa roupa, seja numa performance, trabalhando e jogando com a imaginação interior de cada uma delas.

Os festivais são uma “forma de resistência poética à civilização atual, uma maneira de dizer não à economia, ao tempo, às leis, ao mundo material, à igreja; e entregar-se à magia, ao imaginário, ao mito, ao jogo, ao rito, e a tudo o que está enraizado nas profundezas do ser humano”.

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As imagens utilizadas nos elementos artísticos dos festivais remetem a uma ”viagem interna”, voltada para o psiquismo e para os registros ancestrais contidos na mente humana, os quais dizem respeito ao inconsciente coletivo da humanidade. Vão desde simbologias de diversas religiões e crenças mundiais, além de outros elementos da natureza, tecnológicos, passando a mensagem de que cada um é cada um com suas crenças, até imagens que dizem respeito à relação do homem com a natureza e com a animalidade, mostrando que tudo o que existe está de certa forma interligado por uma energia que muitas vezes vai além da compreensão humana. A arte, portanto, ainda remete atualmente ao que os seres humanos possuem de mais primitivo e arcaico.

E por fim…

Os precursores do movimento psicodélico no Brasil trabalham grupalmente para desenvolver a consciência ecológica, a arte, a cultura e a espiritualidade. Nesse contexto, buscando finalizar um tema que por si mesmo é infinito, visto que a música é infinita, a dança é infinita e o uso de psicoativos é infinito enquanto existirem seres humanos nesse planeta.

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“Cabe dizer que o uso de substâncias psicoativas nos Festivais de Trance Psicodélico dizem respeito à liberdade de experimentar o corpo, a mente e o espírito em suas diversas possibilidades”.

Fotos por Doraci Machado | página do fotógrafo |