Terra em Transe 2016/17 – O Paraíso é Logo Ali

No ritmo frenético das batidas, nós desaceleramos poucas horas antes da Virada a fim de retomar as energias e a consciência do momento presente. Nos segundos que antecederam a chegada do ano novo, fogos de artifício competiram com milhares de estrelas na escuridão de Costa Azul. Naquele momento, o tempo parou e a Terra entrou em Transe até o dia nascer…

Minha conexão com a cena trance se deu por conta de um chamado que não foi a música. Há poucos anos descobri na criatividade uma forma de expansão de consciência. Para sobreviver dessa dádiva, larguei o jornalismo e decidi tornar-me empreendedora. Assim cheguei aos festivais psicodélicos.

Ora observando a pista de frente, ora curtindo o som e imaginando o que acontece no main floor, meu olhar crítico raramente passa pelos palcos. É na Feira Mix que me conecto com pessoas incríveis capazes de ler as entrelinhas do meu processo e desvendo detalhes e motivações surpreendentes desse universo.

Foi assim também que cheguei ao Terra em Transe.

Em meados de julho fui convidada pela DJ Inê, uma das organizadoras do evento, a customizar as camisetas oficiais e divulgar meu trabalho. Um mês mais tarde, quando realizava a resolução 2016 de compartilhar meu conhecimento no Boom Festival, em Portugal, tive a oportunidade de conhecer Pedro, outro dos organizadores do Terra em Transe.

Dentre outras coisas, Pedro e Inê estavam ali para absorver experiências de sucesso do maior festival de cultura psicodélica da Europa e trazer para a terceira edição do evento a ser realizado em Costa Azul.

A notícia me trouxe muita expectativa, mas, a verdade é que eu não sabia o que esperar. Essa seria talvez a minha décima estreia no trance: a “primeira vez” a passar o reveillon em um festival e também o meu primeiro festival na Bahia.

Em pouco mais de uma semana – porque além da festa, para nós há sempre a montagem e desmontagem que nos colocam frente à frente com a produção – finalmente decifrei o mistério: o Terra em Transe é um jovem aprendiz, com o fôlego de um adolescente e a ingenuidade de uma criança.

FÔLEGO DE UM ADOLESCENTE

Com influências “Boomlescas” nítidas em sua estrutura, dentre as atitudes ecologicamente corretas adotadas pelo TT o destaque certamente ficou com os banheiros de compostagem.

Em dimensões obviamente menores, a reprodução da proposta apresentada pelo festival português trouxe aos visitantes uma experiência necessária muito mais agradável que os banheiros químicos aos quais somos geralmente submetidos.

A ideia é que todo o material depositado vire, mais tarde, fertilizante. Faltaram, porém, ações educativas sobre o processo à exemplo do que acontece no Boom, onde cartazes nas portas dos sanitários explicam porque a sua “merda vale ouro”.

De qualquer maneira, com os devidos cuidados, o odor foi quase imperceptível e a higienização bastante satisfatória. Aliás, a limpeza esteve dentre os sucessos do evento. Um reflexo da consciência dos convidados e eficiência da equipe composta por nativos.

Sem grandes efeitos de luz e psicodelia fluor, a cenografia abusou dos elementos da natureza local – como folhas de coqueiros e fibra de coco – para compor um visual que refletiu de forma orgânica e criativa o espírito da fazenda.

Por questões ecológicas e de segurança, o perímetro da praia foi limitado por uma cerca e as luzes não chegavam à beira mar durante a noite. Antes das 5h porém, o breu de estrelas apontava uma luz no canto esquerdo, que gradualmente trazia cor e vida ao cenário dando boas-vindas ao mar.

Ao longo do dia, o posicionamento estratégico do Chill Out e da praça de alimentação proporcionaram uma linda vista do oceano.

Dentre outros aprendizados desta edição esteve também a questão da segurança. O TT prometeu corrigir furos do passado relativos ao setor e assim o fez. Mesmo diante de alguns contratempos, foi possível sentir o empenho da equipe com destaque à cordialidade e atenção aos presentes.

INGENUIDADE DE UMA CRIANÇA

Se por um lado o jovem aprendeu com seus erros, por outro, se esqueceu de necessidades básicas. A falta de água e as filas imensas na praça de alimentação – além do inexplicável aumento do preço das comidas no último dia – certamente tiraram muita gente do sério.

Nem mesmo aqueles que se precaveram planejando fazer uso da cozinha comunitária se deram bem, uma vez que a estrutura era bem amadora e somente os fortes sobreviveram nessa missão.

De tudo que faltou, porém, nada me toca com mais tristeza que o abandono da Área de Cura. Por falta de infraestrutura, o espaço ficou esquecido, deixando artistas destelhados e convidados desapontados. A falta de cuidado também deixou a desejar na área da Feira Mix a qual tantas vezes somos esquecidos depois de negociado o aluguel do espaço (sim, porque nós pagamos para estar lá, ao contrário do que alguns pensam)

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Ainda assim, o que para alguns poderia ser definido como um “perrengue no paraíso”, para mim foi uma dádiva de ano novo.

Após atravessar o país sob quatro rodas para chegar ali, além da nítida mudança da vegetação, deparei-me com um necessário choque de realidade.

Costa Azul é um dos vilarejos da Bahia que vive aquilo que muitos de nós só conhecem pela TV. Uma vida onde o básico se torna luxo e nem sempre é possível viver dele.

Para se construir o universo Terra em Transe em meio às dunas foi criado o asfalto, a água, a luz. Antes, existiam quilômetros de areia num deserto de coqueiros e água salgada.

Assim, enquanto vivemos um réveillon recheado de psicodelia sob um espetáculo de estrelas, para a comunidade que luta para sobreviver o paraíso esteve na oportunidade de trabalhar em pleno feriado.

Assim, agradeci o ano de 2016 por me trazer o reconhecimento do esforço contido na simplicidade e dei boas-vindas a 2017 com a resolução de superar os pré-julgamentos e desejar mais que a satisfação pessoal.

Que a sua resolução também tenha sido gratificante… Feliz 2017.

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