A costa da Bahia foi testemunha de mais uma virada de ano. O Terra em Transe celebrou a sua 4ª edição, e nesta matéria vou te contar meu ponto de vista sobre todo o que rolou! 😉
Quem já conhece o sul da Bahia, pode achar as minhas palavras redundantes, mas nobreza obriga, é preciso elogiar! O novo local escolhido pela produção foi São Domingos, uma fazenda de coqueiros localizada entre Itacaré e Ilhéus.
Aquela praia cumpre com todas as expectativas de quem vai buscando o paraíso: água limpa, areia clara e coqueiros fazendo una sombra vertical de até 30 m.
Passando a portaria e o estacionamento, se localizou a área de camping, com uma disponibilidade de sombra considerável. Dois caminhos partiam daqui sentido praia: um caía na Feira Mix e na Mainfloor, e o outro descia uma pequena ladeira que terminava na Praça de alimentação e no Chill Out. Como chegamos na madrugada do dia 28/12/2018 e a montagem do festival ainda não estava terminada, não tínhamos certeza onde podíamos acampar.
Sem pensar um minuto, escolhemos o melhor lugar 😉 :
Visual da nossa barraca por um dia 🙂
São Domingos recebeu o dia 361 do 2018 com um céu intensamente azul e um solzão que nos tirou da barraca na seqüência. Não demoramos muito para descobrir que a nossa escolha tinha sido muito obvia e a beleza do visual já tinha encantado a mais de um/a, começando pela produção, que tinha planos para o local.
Fomos despejados (e já aproveito para parabenizar o pessoal da segurança, que foram queridos com a gente durante todo o evento) e pouco depois de realocar nossa barraca, os índios Pataxô botaram mãos à obra. Com grande destreza, rapidamente a estrutura esteve pronta: uma bela sombra de folhas sustentada por bambus, para ser usada como “cabine” de salva-vidas.
Desde ali, os salva-vidas olhavam e instruíam a galera a tomar banho com cuidado na beira, pois o mar de São Domingos exige alguma intimidade previa com o oceano, principalmente pela correnteza de retorno. Em contraste, para quem curte pegar onda/jacaré ou nadar, o pequeno swell desses dias só acrescentou no astral do lugar. E já vai um grande salve para a guarda-vidas e surfista baiana, Laíne Silva, que emprestou a sua prancha na boa!
Naturalmente o lugar acabou virando também um ponto de reunião, pois era a maior sombra de frente para o mar e ficava próximo do Chill Out.
Então…se o local me convenceu? Demais!
Aliás, se tivesse que escolher uma única imagem do rolé, ficaria com o visual noturno da praia, ao som das metamorfoses do Psy, com aquela “lua-unha” nascendo amarelíssima do mar (uma lua minguante de tirar o fôlego!), iluminando a silhueta cumprida dos coqueiros, sobre um fundo estrelado.
O festival construiu o Mainfloor, o Chill Out, a Praça de alimentação, a Feira mix, 4 banheiros secos e 8 duchas. Também tinha uma estrutura de concreto que já era parte da fazenda, onde se localizava o posto médico, a casa da produção e a alimentação do pessoal que estava trabalhando (junto a uma piscina bonita e tentadora, mas com água de duvidosa qualidade rsrs).
Confesso que, apesar de sempre celebrar as iniciativas sustentáveis, quando li que a produção iria construir quase tudo em parceria com uma empresa regional de pallets, imaginei um festival de estética média. Chegando lá, fiquei surpresa com como os pallets se integravam harmonicamente ao local, reforçando a vibe descontraída e relaxante, e a decisão me pareceu acertadíssima. Fica aí o primeiro aprendizado para alguém como eu, acostumada com festivais mais ao sul do país, onde a estrutura é fundamental para lidar com as inclemências climáticas: no calor, sem chuva ou vento forte, o minimalismo humano é luxo, pois a grande estrela do filme é a própria Natureza, e nenhuma decoração psicodélica a desafia!
Conforme foi anunciado, o Mainfloor reproduziu diferentes vertentes do Trance. Durante o dia, vários projetos de Prog e Full On animaram as almas corajosas que enfrentavam o calor, dando o melhor de si na dança.
Já para quem se solta melhor ao som de uma bruxaria, como eu, ou prefere fazer praia durante o dia, a pista nos recebia pelas 19 h, com bpms que avançavam do Progdark até o Hitech. E nesse sentido, a psicodelia noturna do Terra em Transe foi densa e precisa. Se não curti mais, foi para dormir um pouco antes do sol raiar.
Da pareceria entre o Terra em Transe e o Aeon Bookings , resultaram apresentações que quero destacar, como Whipetongue (Looney Moon Records) e Sychotria (Ayauma Records). Seguindo a ordem dos dias, saliento outros projetos, como Antibis, Nazca (Soononmoon Organismo Subliminar; a pista enloqueceu quando ele soltou logo no começo “Shanti People – Hanuman Chalisa /Technical Hitch RMX”!), Invid Mind (Alkhimia Records), Kratom (Fractal Records), Skeleton Hex (projetod paralelo de forest do Anoebis), Zencai (Digital Shamans Records), Groark (Jatadharya Records), Secto (Space Trance), Forestim (Forest Totem Festival), Azerus ( Paleolithic Records).
Cargadas de simbolismo e erotismo, a pista principal se encantou com as performances de Martin Shankar (Monxtra), Psy Queer Project, o Coletivo Bartira e Carla Riesco.
Com vista para o mar, o chillas era um ótimo lugar de descanso. Vi algumas apresentações como a do Rafael Hathatun, Dj Nuvem (click aqui para conferir o set completo no Terra em Transe) e a das minas do projeto X073 (Xota 073) com Moa Vênus, rap feminista de Ilhéus, com uma mensagem anti-fascista e anti-racista.
Nela quero me deter! Na preview do Terra em Transe #4, a produção fazia um mea culpa, identificando a alimentação como um ponto fraco das edições passadas. Prometiam uma nova praça de alimentação, com cardápios diversos e uma política de preços justos.
Confira o que a produção anunciava na preview deste portal:
O Terra em Transe está de volta!
E o que achei…?
A praça foi composta por 10 stands de comida, 1 de frozens (frutas com álcool) e 1 posto de acarajé (que não ficou todo o festival), apresentando opções que atendiam desde omnívoros até veganos, com comidas saborosas e bem servidas.
Meu projeto de alimentação dentro do festival foi pensando para incluir aquele macarrão básico no fogareiro (grande salvador dos orçamentos), e algumas refeiçoes na praça de alimentação, caso fosse do meu agrado. Nesse contexto, preciso salientar alguns projetos de alimentação que monopolizaram a minha atenção:
CLÃ DA FLORESTA
Grande salve para o pessoal do Clã da Floresta (galera muito querida, que viajaram desde o Vale do Capão com um pequeno ser luminoso chamado Luana), quem me conquistaram na seqüência com uns dos melhores hambúrgueres veganos que experimentei na minha vida (e olha que já se foram quase 10 anos de vegetarianismo!). Sou testemunha que, mais de um curtidor de hambúrguer de carne, ficou encantado também! (e reza lenda que teve até compra de chutney de manga na Diamantina depois, para intentar reproduzir a receita rsrsrsrsrs).
Como julgava a minha primeira escolha muito difícil de superar, vicei naquele hambúrguer algumas vezes, e só consegui experimentar um delicioso bolo de aipim, que não deixou nada a desejar. Considerando o preço do mercado, onde que pagaria R$ 24 + entrega no melhor hambúrguer veg da minha cidade (que ainda é menor), achei os R$ 18, super justos, pesando na conta o fato de ele estar sendo preparado em condições precárias, no meio de uma praia paradisíaca, dentro de um festival de música eletrônica pouco comercial.
Quem for para o Vale do Capão e tiver oportunidade de ficar uns dias, procura a galera na feira. Você não vai se arrepender! 🙂
AÇAÍ SAMBAZON
Os dias quentes foram amenizados pelo açaí da distribuidora Açaí Sambazón, que dizem ser os únicos no Brasil com certificação internacional de produto orgânico, livre de agrotóxicos, aditivos químicos (acidulantes e emulsificantes) e açúcar, apresentado selos como Eco Cert, Fair for Life e Comércio Justo. Tudo bem que nesse contexto, até sendo azedo eu ia gostar, mas o sabor foi excepcional. A moeda de troca estabelecia foi 200 mL por R$ 11 e 500 mL por R$ 20. Eu, moradora do sul, achei um bom preço, uma vez que por aqui o açaí é mais caro e de pior qualidade.
FALA FELIZ
Com uma pegada de culinária oriental, a galera do Israel e da Alemanha (se mal não me lembro), oferecia bolos e um falafel de com bolinhas de grão de bico in-crí-vel, que novamente deleitou tanto veggies quanto omnívoros.
OUTROS
Outros projetos culinários incluíam Macarrão Ao vivo (achei sensacional a ideia! porém sou das que se obsessionam com certa comida quando gostam e não consegui experimentar 🙁 ), batata recheada, frituras, beijú e pizzas.
Por último, não tenho o nome do pessoal, mas saliento o rango do pessoal do hambúrguer de carne, pois só ouvi elogios.
Convido a todos/as a fazer essa reflexão, pois li nas redes algumas reclamações dos preços da praça. Por quanto você aceitaria vender seu trabalho, se ele incluísse ficar de pé por vários dias, no fogo do verão baiano, cozinhando para os outros que estão curtindo, e que tem calor ou preguiça demais para preparar a sua própria comida? Por que na cidade aceitamos pagar tantos preços abusivos por grandes e médias empresas, e no festival esperamos empatia pela nossa situação econômica, sem tê-la pelo corre do irmão/irmã que tenta viver do undergound sem garantias de que vai dar certo? Por que alguém que resolve um problema (ex. cozinhar) com o qual você não está disposto a lidar não tem direto a ter um lucro?
Percebo que, muitas vezes, o problema para as pessoas nem é o dinheiro que custa algo, senão o valor que é atribuído para esse algo. Acredito nisso porque vejo que tem gente que se revolta com o custo do trabalho artesanal, mas não se importa em gastar quase o mesmo valor do ingresso do rolé em cerveja e outras drogas, não é?
Resumindo, para mim, os preços foram longe de ser abusivos. Tomara que as produções e o público continuem a dar VALOR às experiências culinárias dentro do Trance, e que os projetos selecionados tenham PREÇOS JUSTOS, possibilitando que a gastronomia alternativa possa ser mais um eixo da cultura… E assim seguimos sonhando o Trance do futuro, com 100% de embalagens eco-friendly também! 😉
Continuando com esta linha de raciocínio, sabemos muito além da música, o Trance é uma cultura que exalta valores específicos e que costuma expressar uma certa linha estética. Nesse sentido, eu acho maravilhoso quando um festival da espaço e promove projetos de vestuário, joalheria, artesanato, tabacaria, etc. Comprando ou não comprando, eu espero ver esse tipo de projetos nos festivais. Porém, venho sentindo que ultimamente os desacordos entre as produções e os lojistas ou artesãos, tem dificultado a viabilização de Feira Mix extensas e diversas, dentro dos festivais.
No Terra em Transe #4, a quantidade de expositores ocupava boa parte do evento. Dentro da feira oficial, tinha umas 6 lojinhas, incluídas a loja dos Pataxôs (sempre bom passar lá, bater um papo e tentar apoiá-los, se for possível) e as lindas camisetas UV do Arte AC. Já na periferia da feira, parei de contar em 14 expositores! Tinha tudo o que a gente esperaria encontrar: arte e jóias em pedras e sementes, macramé, vestuário, tabacaria, bolsinhas, panos, chapéus e outros tipos de amuletos.
O público estava numa vibe boa, descontraída e relaxada, no ritmo leve que só as praias sabem manter. Não presenciei nenhuma briga, e todos/as com quem falei foram de boa! Conheci várias pessoas legais e voltei para minha casa com aquela máxima: A Bahia é sensacional, mas o melhor da Bahia é o baiano! 🙂
Na minha opinião, os principais pontos a melhorar foram:
– Mais sombra: Especialmente no chill out e na praça de alimentação. Naquele calor, só a folhagem dos coqueiros não era suficiente.
– Lixeiras, limpeza e mantenimento: A meu ver, este é um assunto que envolve as duas partes. A produção deveria ter colocado 3 vezes mais lixeiras e pessoal de limpeza, e o público deveria tomar vergonha na cara! Tem algo mais bonito que uma PISTA LIMPA? Por que chamamos a pista de “Solo Sagrado” se não vamos respeitá-lo? Se no “movimento alternativo”, as pessoas poluem um local próximo do mar para se divertir, o que esperar do resto do mundo? Cadê o P.L.U.R prático? Sinceramente, perceber como o lixo espalhado pelo festival aumentava conforme passavam os dias, cortou a minha vibe diversas vezes, especialmente depois da virada do ano. Se bem entendo que a produção tem responsabilidade, não é desculpa. Se você não achou um lixo próximo ou se ele estava cheio, tenha a DIGNIDADE mínima de GUARDAR o lixo que você fez! Deixar uma garrafa/lata jogada do lado de um lixo cheio não é exatamente cuidar a praia. A realidade é que só nós somos responsáveis pelo destino do lixo que a gente produz. E se você ainda não entendeu isso, além de não ter consciência ambiental, você está ajudando energicamente a banalizar a identidade de um movimento que professa a união com a Natureza. Já que parece impossível inspirar essa galera com o exemplo, queria que pelo menos ficassem na cena comercial.
– Banheiros secos: Novamente, acho que as melhoras deveriam ser bilaterais, tanto da produção quanto do público. Da parte do festival, o correto teria sido construir mais banheiros, com maior presencia do pessoal de limpeza, e potes de serragem, pois infelizmente ainda tem muita gente que não está acostumada e acabou estragando-os por mau uso (tal vez umas plaquinhas sobre “como usar” teriam ajudado). E da parte do público…Bom, sinceramente fiquei de cara com quantidade de pessoas reclamando da proposta! Me pergunto o que tem de ecológico ou good vibes um banheiro químico? (podem ler mais sobre o impacto ambiental deles aqui). Mais uma vez: cadê a comunhão com a Natureza? “Evoluir é o contrário de repetir”, e sendo assim, precisamos sair da nossa zona de conforto para aprender novas formas de viver!
– Duchas: Senti falta de alguns pregos nos pallets, para pendurar os itens de banho. Quem sabe assim a galera não teria deixado tudo cheio de pedaços de embalagens plásticos. Por outro lado, várias pessoas reclamaram da quantidade de duchas, mas eu pessoalmente, nunca peguei uma fila maior que 20 minutos, pois procuro não tomar banho nos horários que todo mundo gosta.
Agradeço os/as fotógrafa/s que conheci no rolé e me permitiram utilizar as fotos para esta matéria:
– Milost Fotografia
– Agência Rota Eletrônica
– Moises Rocha Cardoso
– Frame