Há uma tênue linha entre a diversão e a obrigação. Mas, é a liberdade dessa comunidade que traz a renovação constante. Conheça a história de três empreendedores que escolheram a psicodelia para reger seus negócios full time e ajudam a fortalecer esse cenário.
Fotografia: Murilo Ganesh
Quem é do Trance sabe que nas festas a música é apenas mais um coadjuvante dentre a infinidade de manifestações artísticas que ganham forma no espírito daqueles que optaram por viver do movimento. Nesse pacote, entram os cenógrafos, artistas plásticos, músicos, djs, vjs, performers e claro, nós, lojistas e artesãos.
Não é difícil notar também que é um movimento onde os próprios frequentadores se tornam, a certo ponto, agentes ativos dos eventos. Afinal, é muito satisfatório perceber que você pode pertencer a esse mundo não por 5 dias ao mês, mas por todos os dias consecutivos. Essa é a grande motivação da maior parte dos artesãos que compõem hoje o time de lojistas das feiras mix do Brasil.
Mas, ao contrário do que muita gente pensa (ou nem para pra pensar), se a alma empreendedora acompanha esse “sonho de vida”, junto dela vêm as contas, as planilhas, as metas e a falta de criatividade em meio às responsabilidades gritantes. Afinal, você já pensou como seria a sua “balada” se ali estivessem em jogo todas as suas contas do mês? Assim, encontrar o equilíbrio é mesmo o grande desafio do artesão/lojista.
Em uma breve definição, o mercado alternativo (ou feira mix), é um aspecto muito importante no Trance porque ajuda na construção da identidade do movimento. Ali, a maioria dos envolvidos são artesãos, que decidiram fazer da sua arte um sustento. Há também donos de almas empreendedoras, que não possuem exatamente o talento manual, mas a visão necessária para exaltar aqueles que possuem esse dom.
Mas, assim como a cada dia nascem novas propostas de festas – algumas muito originais, outras bastante polêmicas -, o mercado alternativo Trance também apresenta um fluxo intenso e bastante volúvel. Seja pela falta de comprometimento de alguns aventureiros que veem na feira apenas uma oportunidade para “entrar de graça” no festival, seja pela falta de planejamento estratégico para fazer o negócio crescer ou outras adversidades trazidas pela vida, muitas lojas já nasceram e também morreram no trance.
Por outro lado, alguns nomes resistem – e outros nascem com promessas a longo prazo. É fácil reconhecer a postura empreendedora de alguns nomes que têm se fortalecido na cena. Basta buscar por pessoas preocupadas com os prazos e segurança; que têm comprometimento com expediente; que investem em estruturas decentes e identidade visual definida; dentre tantas outras responsabilidades.
É importante notar também que nem todos os empreendedores do Trance tem essa ocupação como atividade full time. Afinal, por se tratar de uma cena ainda pouco formalizada, a minoria consegue viver exclusivamente dela. Mas, não é impossível.
Eu, particularmente, entrei para a cena há pouco mais de 5 anos. A Magic Tale (aqui você pode encontrar alguns das minhas criações), nasceu em casa, bem longe do Trance. Mas, como um imã, foi trazida a esse universo. Na minha vida, porém, ela representa um ponto de equilíbrio na vida de uma workaholic: o meio termo entre o ritmo frenético do dia a dia como empreendedora no ramo da comunicação e o “descanso” como empreendedora de vestuário no Trance.
Na Magic Tale customizamos roupas e desenvolvemos acessórios exclusivos.
Assim, ainda que com minhas restrições, posso dizer que rapidamente você entende que o espírito empreendedor de um “trancer” é, sim, mais leve. Felizmente, conseguimos trabalhar descalços, livres das amarras estéticas; dançar no expediente. Temos clientes fiéis que entram na lista de melhores amigos, sem cobranças burocráticas e volta e meia passam pela loja para compartilhar um lanche, um descanso, uma risada.
Por outro lado, foram as intensas experiências acumuladas como artesã/empreendedora nos últimos anos de minha vida que me permitiram conhecer trajetórias admiráveis – a intenção é que, pouco a pouco, essa coluna traga um pouquinho mais de cada um deles para você.
Para hoje, selecionei três nomes que considero comprometedores no mercado alternativo nacional, especialmente por apresentarem um grau de comprometimento com o negócio e viverem dele 24h por dia. Cada um tem sua particularidade, mas todos convergem no trance. Bora conhecer mais sobre os empreendedores psicodélicos?
Quando a diversão se torna um negócio, é possível sim ter sucesso. Essa é a grande lição dada por Thaís Adrieli, proprietária da Arte Dreads.
Quem frequenta a cena sabe que estamos falando de um dos ateliês de dread mais famosos do movimento no Brasil. Certamente você já passou pela loja, que tem presença garantida nos mais importantes festivais nacionais – e também internacionais. Amante das cores e formas psicodélicas, a Arte Dreads tem uma identidade visual marcante, reforçada no formato de domo da estrutura itinerante que permeia os eventos.
Sua história começou há 13 anos, muito “naturalmente”, como lembra Thaís: “Sempre estive envolvida em trabalhar nos festivais. Comecei a fazer dreads em amigos, até que na primeira vez que fui para Europa, em 2008, fiz dreads pra levantar uma grana pra continuar três meses de ‘trip’ e fluiu legal, afinal conhecia muitas pessoas. Quando voltei pro Brasil resolvi levar os dreads como um trabalho”.
O projeto nasceu pequeno, sem grandes ambições. No início, ela executava o trabalho na loja Emusic Brasil, onde seu marido – o fotógrafo Murilo Ganesh – tinha alguns negócios. Mais tarde, passou a dividir espaço com a Estilo Espiral, tanto nos festivais quanto na loja física, em São Paulo. “Só depois comecei a fazer a minha loja própria Arte Dreads. E, retribuindo toda ajuda que tive no começo, passei a abrir espaço pra fortalecer amigos/parceiros”.
Assim, além dos dreads e acessórios artesanais para cabelo, a loja ajuda a difundir a cultura Trance no Brasil e no mundo, numa espécie de ‘portal de conexões’. “Vendo cartucheira Matramba e roupas e acessórios que compro pelo mundo. Somos parceiros da cena Trance nacional representando marcas como Fullia e Evolução Eco, e marcas internacionais como Public Beta e Indian Project.”, aponta a empresária.
Com um ateliê fixado na capital paulista, loja virtual e lojas itinerantes, o negócio é hoje responsável pelo orçamento integral da empresária. Com seu lugar no mercado conquistado, a participação nas Feiras Mix nem é mais a sua principal fonte de renda. “É uma roleta russa, sempre. Varia muito de acordo com a quantidade de público, dias de festival é até poder aquisitivo do público alvo do evento. Tem muitos festivais que mais saem no empate – custo em estar lá x lucro. Em compensação, tem festivais que vendem muito bem, em geral os maiores”.
No entanto, ficar de fora da cena não está nos planos de Thaís. Tanto é verdade que mesmo com a loja totalmente estruturada no Brasil há anos, foi há apenas dois deles que deixou de atuar como pirata na turnê trance internacional, ganhando uma estrutura lojista também no exterior. “É importantíssimo pra mim participar. Em primeiro lugar, porque amo a cena trance e faço questão de estar presente somando de alguma forma. Em segundo, porque como é o mundo onde vivo, esse é o meu público alvo. Então, estar em contato direto com a galera é fundamental”, finaliza.
“Na Arte Dreads além de fazer dreads/manutenção, temos uma variedade de produtos à venda, como acessórios alternativos, roupas, cartucheiras… Produtos feitos artesanalmente e de altíssima qualidade, alguns importados da Índia, Tailândia, Europa e outros feitos aqui mesmo, no Brasil. Tudo isso em um um espaço aconchegante”
Outro exemplo onde o agente passivo do Trance decidiu se tornar ativo através da Feira Mix está nos proprietários da loja Elemento Terra. Há muito tempo adeptos ao trance, em 2014 Gabriela Valadão Makalski e Caio Makalski elegeram esse como seu espaço de trabalho – uma missão nada difícil para quem elegeu o cenário também como palco para o casamento.
Eis o que me faz admirar essa história: diferente do que acontece com muitos artesãos que iniciam um processo lento e gradual de migração para esse universo até se tornarem um agente ativo, o movimento do casal foi ambicioso, intenso e preciso.
Há 4 anos nascia a Elemento Terra já com o a intenção de ser uma estrela. Para começar, o casal investiu de cara em uma estrutura própria, com iluminação especial e decoração psicodélica, além de se preocuparem em manter uma agenda intensa de eventos.
E engana-se quem pensa que o investimento parou por aí. Para construir um novo caminho profissional, Gabi deixou a carreira de Recursos Humanos para estudar corte e costura; enquanto isso, Caio aproveitou o conhecimento prévio em desenho técnico para aprimorar a modelagem e mudou seus estudos na área de engenharia para a área de designer. Arte, fotografia, marketing e administração foram outros temas que passaram a ser estudados.
Assim, se no início a curadoria de produtos para revenda supriu em muito as necessidades do público em termos de variedade e contribuiu para que a empresa atingisse as metas necessárias para fazer o negócio crescer, com o tempo os empresários encontraram espaço e inspiração para expressarem sua própria arte, desenvolvendo novas habilidades e uma moda autoral que vai do vestuário à decoração.
Com tamanha dedicação, o resultado não poderia ser outro: hoje, além da loja itinerante em eventos, a Elemento Terra atende ao público no ateliê físico em Atibaia, na loja virtual e até mesmo por meio de exposições em galerias de arte na região.
“Nossa história já estava ligada ao trance muito antes de decidirmos abrir a loja, portanto já tínhamos um conhecimento prévio de público, dos eventos, da história do trance. Mesmo assim, existe muito, mas muito estudo pra poder existir essa mudança de área e de estilo de vida. Muitos acreditam que é muito simples fazer essa mudança, mas hoje temos que estudar muito mais do antes para continuar aprimorando nossas técnicas para evoluir sempre e temos muito mais horas de trabalho durante o nosso dia”, observa Gabi.
“No ateliê do Elemento Terra desenvolvemos produtos autorais que além de estilosos, confortáveis, exclusivos e duráveis. Durante os eventos é possível bater um papo a respeito da historia das mandalas, e se aprofundar um pouco mais no assunto, fazer pinturas corporais, ver o significado das pedras que usamos em nossas confecções, consultar nosso “oráculo” e entender um pouco mais da nossa visão de arte e moda. Somos uma loja interativa e itinerante e recebemos a todos sempre com sorriso no rosto, pois amamos o que fazemos! Temos coleções de cartucheiras, roupas customizadas, cangas, colares em pedra, mandalas e filtros de sonhos”.
Para finalizar essa imersão no mercado alternativo, elegi a Flor All Mundi. Na minha opinião, outra grande promessa na cena do vestuário alternativo.
A primeira vez que tive contato com o trabalho dessas mulheres foi na Respect 2014. Lembro-me exatamente do impacto que senti quando me deparei com o crochê criativo e ousado da Wânia e a delicadeza e detalhes do macramê da Marcela: sorri por dentro tamanha a satisfação em conhecer artistas capazes de transmitir tanto significado, estilo e amor em seu trabalho.
Mais do que isso, reconheci de longe uma das características que mais admiro em um empreendedor: o comprometimento. Pouco a pouco, fui conhecendo mais a história dessa família e hoje eis a oportunidade de compartilhar um pouco com vocês.
Assim como eu, Wania e sua filha, Marcela, também não viram seu negócio nascer no Trance. Vivendo essencialmente do artesanato, a loja sempre teve em sua lista de eventos itinerantes as feiras de cultura e artesanato regional, abrangendo um público diversificado, que preza essencialmente pela arte.
A fim de tornar o trabalho cada vez mais sério e sólido, as artesãs se tornaram Micro Empreendedoras Individuais (MEI) e passaram a ser assessoradas pelo Sebrae, onde recebem treinamentos e participam de programas de empreendedorismo, movimentação de caixa, estoque e outros detalhes burocráticos que fazem a diferença na vida do empreendedor, além do lado criativo.
Não demorou para que o Trance se tornasse insubstituível e indispensável à marca. “Depois de anos no trabalho artesanal, a venda como pirata em festivais estrangeiros apareceu como estratégia para atingir diretamente o público que gosta, admira, valoriza arte”, explica Wânia.
Fazendo o caminho reverso da maioria dos artesãos, a Flor All Mundi foi primeiramente apresentada ao Trance no cenário internacional, para depois ser reconhecida no cenário nacional. A primeira aparição aconteceu em 2012, quando Marcela decidiu mostrar sua arte e da mãe no Festival Eclipse, na Austrália. Na época, a venda foi no bom e velho estilo “pirata” (que aqui no Brasil chamamos de “hippie”), ou seja, no chão. Logo, a pirataria chegou aos maiores eventos da cena como Boom, Ozora, Antaris e Psy-fi. Em 2013, surgiu a oportunidade de conhecer brasileiros envolvidos no trance que abriram portas no Brasil. Assim a Flor All Mundi estabeleceu o seu lugar na cena Trance nacional, com sua inconfundível identidade boho e detalhes que somente vivenciando de perto você vai entender.
“Além do reconhecimento do público Trance, que é incomparável a outras feiras e eventos, encontramos um público fiel, que se torna amigo e nos motiva cada vez mais a criar, sem os limites impostos pela moda convencional. Servir a esse público nos motiva e inspira nosso processo criativo”, conclui Wânia.
Mas, em meio a tanta inspiração, ela alerta: planejamento é fundamental. “Divulgamos o evento na page e clientes já encomendam. Chegamos só festival com 20% de pré-vendas garantidas”, revela.
“Flor All Mundi traz para você roupas , acessórios e artigos através de cores, texturas, momentos e ideias.”
Como você deve ter percebido, não é fácil o paradoxo mundo de quem vive de trance. Se você ficou curioso para conhecer de perto o trabalho dos artistas que participaram dessa matéria, visite o perfil de cada um aqui no Trance.com.br e ajude a fortalecer a cena!
Continue acompanhando essa coluna para conhecer um pouco dos bastidores da Feira Mix!
Até breve!
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Esta nova plataforma foi pensada tanto para fortalecer os irmãos e irmãs que vivem do movimento alternativo, quanto para simplificar o caminho de quem quer explorar e adquirir produtos relativos
à Cultura Psicodélica.
Chega para conhecer e prestigiar os empreendedores psicodélicos do Brasil!