Música eletrônica: o futuro a partir da pandemia

Você, amante de música eletrônica, festas e festivais. Você dj/djane, produtor(a) de evento, artista e trabalhador(a) da cena. Vamos refletir juntos?

O mundo com a chegada do vírus não vai ser mais o mesmo. A indústria da música eletrônica que movimenta bilhões está na UTI. Depois de ler vários artigos, site especializados e acompanhar algumas experiências, resolvi escrever esse texto.

Diante de uma crise global, no meio de uma pandemia que até esse momento, acumula mais de 413.000 vidas interrompidas e 7.000.000 de infectados(as) no mundo, com o Brasil sendo o 3° país com mais casos (declarados) e todos esses tristes números estão subindo vertiginosamente. A crise sanitária ainda vem com a maior crise econômica mundial. E aqui no Brasil temos ainda uma 3° crise, a política.

Vista áerea de Nossa Senhora da Aparecida –  Manáus.

Como falar de festinha, de entretenimento nesse momento? Se é certo afirmar que os profissionais da saúde e ciência são o front dessa guerra contra o vírus, o entretenimento, a arte e a cultura são outros pilares fundamentais para vencermos essa soma de crises.

Não terá mais ter festas no mundo. Boates, clubes, shows, festivais. Acabou. Essa é a realidade por um tempo. O futuro da música eletrônica e dos festivais vai continuar existindo na internet até a invenção e distribuição em massa da vacina contra a covid-19 ou tratamento eficaz. Existe uma previsão? Na minha opinião, sendo otimista, levará no mínimo 2 anos. Sendo pessimista, o vírus pode nunca ser contido, como o HIV e outros, que já alertou a OMS (Organização Mundial de Saúde). Aquela aglomeração gostosa de gente dançando é parte agora do passado, e vai precisar de muitos esforços para voltar a se repetir.

Origens Gathering 2018, RS. Foto: Triphotos

Segundo a Rolling Stone, em uma pesquisa recente da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) a música eletrônica/dance foi ranqueada como o terceiro gênero musical mais popular do mundo, atrás somente de pop e rock. No Brasil, em meio a pandemia, a live do Alok somou 1,71 milhão de espectadores simultâneos no YouTube e trouxe um show de luzes que elevou o formato de live. Como um artista pop, o DJ e produtor musical Alok tem lives com merchandise, músicas bombadas vendendo nas plataformas de streaming. Não está em turnê mas está ganhando dinheiro. A realidade dele é privilegiada.

Artistas, trabalhadores e empresários da noite no mundo inteiro estão se reinventando para não passar fome.  Berlim começou a onda de clubes transmitindo lives: os DJs tocam no clube, sem público, que curte de casa e doa dinheiro, dividido entre a casa e os(as) artistas. Festivais tem rolado na mesma pegada, online, com DJs revezando por horas e arrecadando. Mas até quando isso vai funcionar? Como vender uma live? E o pessoal que fotografa, filma, edita, decora, produz, vj? Como eles vão se vender?

A grande maioria, como trabalhador autônomo, está agora dependendo da ajuda sofrida do governo e sem previsão de nada. Antes da crise, esse cenário de abandono e exclusão já era uma realidade para outros setores como o audiovisual brasileiro (censurado e perseguido pelo nosso governo fascista).

Tendências para um futuro com pandemia

1. LIVES

Esse recurso tem sido usado por músicos, produtores e DJs para transmitir ao vivo um conjunto de hora contendo uma apresentação artística musical.

• Onde transmitir a live: Twitch.Tv, Instagram, Facebook e YouTube.

Por exemplo, nesse momento, está rolando o Pulsar Festival na que seria a sua data, só que online, pelo Twitch. Em maio, a crew já tinha organizado 10 dias de programação, voltados para a Área de Cura e a Galeria de Artes, pelo Instagram Live. Já para a festa que está rolando agora, o pessoal está testando atividades alternativa pelo Zoom com inscrição prévia, como já tinha feito o Soubiose Ecofestival, enfatizando a doação consciente.


Iniciativas online do Pulsar Festival.

• Como ganhar dinheiro? 

– Pedindo doações, no estilo “passar o chapéu”;

– Com Ads (publicidade inserida no seu canal ou live, disponível só no YouTube – aqui é preciso ter no mínimo 1000 inscritos no seu canal – e Twitch);

– Patrocínio, quando uma empresa ou várias financiam a live.

– Assinaturas, onde seu público paga “X” por mês para receber o seu conteúdo.

– Merchandise (aquela marca de empresa sempre visível no seu canal ou live);

– Publicidade direta, quando o artista ou algum vídeo ou banner surgem, parando a live para falar sobre um produto comercial;

• Ex.:

Live particular: através da própria rede de contatos. Nesse caso é preciso se programar, estudar melhor horário e dia, fazer uma arte digital convidando o público. DJs/djanes menos conhecidos(as) podem encontrar desafio de atrair, reter audiência e arrecadar. Principalmente se for um(a) artista que comprou sua base de fãs, aquele que tem 30 mil seguidores, mas só 100 são reais. Nesse caso tem que pensar em ser compartilhado, para sair da própria bolha.

Live coletiva: se juntando a outros artistas, um clube, boate, festival, selo, algum meio que tenha maior audiência, visibilidade, e negociar sua apresentação em troca de um cachê realístico ou participação nos lucros das doações durante a transmissão.

Em comum: seja na live particular ou coletiva, é importante implementar um botão ou mecanismo para receber doação, afinal todo mundo tem conta para pagar.

On Demand/VoD: Todo mundo já assistiu um vídeo sob demanda. Aquele que está na Netflix ou Amazon por exemplo e você assiste quando puder. A ideia agora é gravar todas as suas apresentações ao vivo, arquivar e deixar disponível para o seu público ver e ouvir quando quiser. E você pode cobrar por isso. Por assinatura, com acesso a todo conteúdo gravado ou unitario, um valor para cada apresentação (tipo o preço de 1 livro, cd, dvd). Pode também criar lives únicas, do tipo que quem perdeu não vai ver mais, jogando com o senso de urgência e exclusividade. Ou ainda gravando uma pré-live mais elaborado. Um show onde você pode produzir mais atrativos, como ter mais de uma câmera, mais de um ângulo, figurino, falas, vídeos, projeção, luz, fumaça, o que sua criatividade e bolso conseguirem para entregar além de boa música, um show diferenciado.

2. GAMES E AMBIENTES VIRTUAIS

Um dos grandes problemas das lives é a barreira da imersão. Nesse sentido empresários e artistas estão trabalhando juntos para criar um ambiente virtual em 360°, juntando computação gráfica, programação e tecnologia para uma realidade alternativa, como vestir seus óculos VR, com fones nos ouvidos e embarcar numa festa, show ou festival onde você pode ver decoração, andar pelos ambientes que podem ser fantásticos, assumir um avatar, um personagem customizado (ser uma fada ou um pirata) e interagir com outros participantes que apesar de estarem na sua frente, estão conectados de todos os lugares do mundo.

• Ex.: MATRYOSHKA, um clube virtual para amantes da música underground localizado em Manila num servidor privado de Minecraft (um jogo adquirido pela Microsoft em 2014) onde rolam shows exclusivos.

• Ex.: A Wave é parte plataforma de realidade virtual, parte video game e parte serviço de streaming. A empresa se une a artistas para desenvolver shows semanas antes que a transmissão ao vivo real ocorra. Eles colocam os artistas em seu software como avatares digitais, o que proporciona aos participantes uma experiência mais imersiva e interativa do que as opções passivas de transmissão ao vivo.

• Ex.: GTA V (Grand Theft Auto V) é um jogo eletrônico de ação-aventura desenvolvido pela Rockstar North e publicado pela Rockstar Games. Em parceria com a Resident Advisor (maior portal da música eletrônica levou vida noturna a Los Santos, a cidade fictícia do jogo, com residentes para a balada virtual como Dixon, The Black Madonna, Solomun e Tale of Us.

• Ex.: ‘Free Fire World Series 2019′ um game que transformou Alok, o funkeiro MC Jottapê e o rapper Mano Brown em personagens virtuais para fazer um show no fim do campeonato online.

3. FESTAS DRIVE-IN

O contato físico está proibido por enquanto. Aglomeração também. Mas surfando no conceito de bolhas, ou seja, que existem pequenos grupos isolados e protegidos, surgiu a ideia de encontrar um lugar amplo, onde caibam carros e dentro desses carros, pessoas (1 ou 4), estacionados juntos para curtir um filme ou, uma rave.

• Ex.: Na Dinamarca rolou show em drive-in. O cantor dinamarquês Mads Langer vendeu 500 ingressos em minutos para um concerto nos arredores de Aarhus. O público foi em torno de 2.000 pessoas (contando 4 pessoas por carro). As músicas tocadas foram transmitidas via rádio FM e o público pode interagir com o músico via Zoom ou colocando os braços pra fora do carro em alguns momentos.

• Ex.: A Alemanha também abrigou uma rave num drive-in promovida pelo Index, um dos maiores clubs do país que fica na cidade Schüttorf. A festa Autodisco reuniu 250 carros também com a música sendo transmitida por uma rádio FM. Deu tão certo que o evento já está programado para três datas neste próximo fim de semana.

• Na Lituânia também tem acontecido concertos feitos dos jardins dos prédios para que as pessoas possam assistir de suas varandas e/ou janelas.

Concluindo

Se você é artista da música eletrônica e de festivais, saiba que esses exemplos acima não servem só para o produtor musical ou DJ. Tem live e festival sobre yoga, meditação, astrologia, artesanato, bambole, malabares, edição e dicas de vídeo, tudo pode ser transmitido, como apresentação, reunião, oficina ou curso. Se o produto for bom e tiver público, vale cobrar para acessar ele. O pessoal que trabalha nos bastidores pode chegar também, pois lives precisam de gente pensando em várias áreas como administração, mídias sociais, promoters, soluções de áudio e vídeo, designer e criadores de conteúdo.

Se você é público, saiba que agora mais do que nunca, precisamos estar unidos. Divulgue o trabalho e apresentação dos seus artistas. Doe dinheiro. Assine se puder. Muitas casas noturnas, produtoras, não vão conseguir pagar seus aluguéis. Muitos artistas e trabalhadores dos bastidores do entretenimento vão quebrar. A união e uma nova cultura de doação e incentivo ativo por parte do público é o caminho para atravessar essa dura fase.

No próximo post eu vou falar sobre política. Tem quem diga que política é música eletrônica não combinam, mas isso é uma alienação. No Brasil, assim como em partes do mundo, o fascismo tem mostrado sua vocação para o caos e precisamos falar sobre isso.

Até lá,

Roosevelt Soares

ex-DJ, escritor e roteirista. Tem 4 livros públicados. Estudou na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Pesquisa formas narrativas através do audiovisual, música política. Frequenta o mundo da música eletrônica e festivais desde os anos 2000.

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