A busca por uma correlação entre a imediatez da nossa efêmera existência e um possível propósito para ela, impulsionou a história do pensamento metafísico humano. Já no século IV a.c, Aristóteles afirmava que a felicidade vinha da “busca da excelência de si mesmo” que só se alcançava com “o pleno desabrochar da nossa própria natureza”. Descobrir qual é nosso talento e como podemos transformar ele na nossa missão, pode ser um chamado poderoso desde o nascimento ou pode nos levar a vida inteira. Precisamos estar atentos as pequenas causalidades, essa batida no peito mais forte quando nos dedicamos à aquilo que a nossa especificidade nos abre caminho. O caminho não precisa ser obvio, mas precisa ser seguido, mesmo que seja brincando, como Alice se enfiando na toca do Coelho Branco que a levaria ao País das Maravilhas.
“A caverna que você tem medo de entrar guarda o tesouro que procura” (J.Campbell)
Nesse sentido, pode se pensar o começo do João Alexandre, a cara e alma do Marambá, uma das grandes referências nacionais quando o papo é sobre high tech/dark. Apenas superava os 11 anos, quando começou a se interessar pela musica eletrônica que chegava as rádios de São Bernardo do Campo (SP) e curioso pelos “sentimentos e lembranças que o trance lhe trazia”, comecou a explorar nomes como Hallucinogen, Infected Mushroom, Raja Ram, GMS, Chi-AD, MFG e brincar com software de produção musical. Cinco anos mais tarde da primeira descoberta, se adentrando finalmente na toca, chegaria a primera festa, e com ela, uma paixão profunda e instantânea pela cena.
Hoje, produtor consolidado, Marambá já se apresentou na França, República Checa, Alemanha, Itália, Uruguai e México.
Qual a história por trás disso tudo?
E quem melhor que ele mesmo para nos contar da gêneses e transformação do projeto…
Lucas Caparroz – Fotografia
Na amazônia, Marambá é uma criatura da floresta que traz a cura através das plantas. No norte tem outro significado, que é o Tutu Marambá (tem até uma musiquinha de ninar dele), um ser que vai atras das crianças que nao estão dormindo. Foi a primeira musica que aprendi a tocar no violão.
Acredito que minha música segue um padrão bastante antigo de condução de um trabalho espiritual. O que eu busco com a apresentação do Marambá é representar a história de uma experiência psicodélica no tempo que me é dado, seja de 1 ou 4 horas.
Para aqueles que já tiveram uma experiência em trabalhos espirituais, é familiar os estágios pelos quais nós passamos, desde a entrada no trabalho com o foco em questões pessoais; o momento de limpeza (também chamado de purga ou peia) e a reentrada no estado comum de consciência, geralmente repleto de insights motivacionais e sentimentos de encantamento, plenitude e serenidade.
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Nesse manual, eles adaptaram os 3 estágios do Bardo Thodol descrevendo-os como as etapas que passamos durante uma experiência psicodélica, que pode ser vivenciada através de técnicas de meditação, privação sensorial, respiração holotrópica, uso de substâncias psicodélicas, entre outros (os estágios são chamados de Chikhai Bardo, Chonyid Bardo e Sidpa Bardo).
Tadeu Luna
Quem sou eu? Rs… Bem, muitas pessoas dizem que sou bem tranquilo e transmito uma certa serenidade, mas acho que isso é só a primeira camada, pois na verdade me considero uma pessoa bastante introspectiva e também ansiosa, penso muito mais do que falo, e falo muito menos do que escrevo (o que é muito conveniente pra esta entrevista :)).
Com relação à música, eu sempre fui apaixonado, sempre gostei das emoções e dos lugares que ela me leva e também da linguagem em si, que é puramente matemática.
Entretanto, minha vida tinha outro rumo há alguns anos atrás. Em outro “universo”, sou formado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de São Paulo e tenho um mestrado stricto sensu em Neurociência e Cognição pela Universidade Federal do ABC.
Trabalhei como redutor de danos e nesse sentido, minha primeira atuação foi em 2007 (até onde eu sei, foi a primeira ação de RD em festas de música eletrônica em SP). Mas parei em seguida pois fazia sozinho e era extremamente desgastante o trabalho de SOS Bad trip.
Quando entrei no mestrado, conheci a fundadora do ResPire na Universidade Federal de São Paulo e ela me convidou pra participar do projeto pois, além de eu ter afinidade com o contexto e experiência com o trabalho, tinha muito a ver com o tema do meu mestrado.
Não, recebi algumas dicas e conselhos de amigos como o Necropsycho e o Angry Luna, mas tudo relacionado à produção de música eletrônica eu aprendi sozinho.
Em 2000, um professor que eu tive contou em uma aula que fazia música eletrônica como um hobby pra relaxar, ele fazia uma espécie de techno underground. Como eu achava legal a idéia de fazer as próprias músicas, pedi pra ele o nome de alguns programas interessantes (o Reason, Cubase e Rebirth) e alguns dias depois comecei a brincar com um deles, o Rebirth.
Alguns anos depois, quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, comecei a fazer aula de violão erudito e aprendi a respeito de harmonia e composição dentro da música clássica. Nessa época, eu brincava com os programas (Cubase e Fruity Loops) compondo umas melodias mas de maneira bem descomprometida, mesmo porque nem computador eu tinha.
Quase 10 anos mais tarde, enquanto estava na faculdade, eu tive novamente contato com alguns programas de produção através dos meus colegas de “república”. Havia ficado anos sem ver um programa na frente, mas quando fui morar com uma galera que tinha computador (nem todo mundo tinha nessa época) e o Fruity Loops instalado, eu resolvi retomar os estudos e fiz algumas músicas no PC deles, lançando uma ou outra no myspace. Pouco antes de me formar, consegui comprar um Macbook White usado e fui produzindo de forma mais focada e considerando que o que estava fazendo poderia ser promissor.
Fabio Thot
Acho que não houve um momento específico, foi algo bastante gradual. Ao longo dos anos de estudo, produção e apresentações, houve um gradiente entre o que era hobby e o que se tornou profissional.
Logo que conheci o movimento, por volta de 2003, 2004, eu comecei a arrumar maneiras de trabalhar nas festas para poder estar lá (a entrada e o transporte eram muito caros e eu não tinha condições financeiras de ir aos festivais, apesar de eu ter um emprego enquanto cursava o ensino médio, o valor da entrada era muito pesado pra mim).
Depois de um tempo trabalhando em troca de convite, alimentação e transporte nos festivais, eu passei a cobrar pelos serviços e tive a oportunidade de ir a diversos eventos, principalmente na região de São Paulo.
Meu primeiro trabalho no trance foi com Redução de Danos, mas já trabalhei como performer e filmagem de performances, alimentação, plantio de árvores e distribuição de sementes, palestras, portaria, caixa, bar, fotografia, estruturas, estacionamento, logística, organização e, é claro, música 🙂
Como produtor musical, acredito que o ano de 2014 foi um dos mais marcantes pois estava encerrando um trabalho e o Marambá estava se consolidando, ganhando uma visibilidade maior.
Lauro Medeiros | “In a decaying society, art, if its truthful, must also reflect decay. And unless it wants to break faith with its social function, art must show the world as changeable. And help to change it.” – Ernst Fischer (epiteto do album Alvorada)
Sim, lembro-me muito bem da minha primeira apresentação enquanto Marambá, na verdade foram duas “primeiras apresentações”.
Em 2012, o Necropsycho, artista que já havia me motivado e inspirado bastante, me convidou pra tocar em uma festa na casa dele (também conhecida como Nekropolis) chamada Ritual PVT.
Foi uma experiência muito boa, foi a primeira vez que ouvi a galera gritando com uma música minha, foi lindo e algumas das pessoas que estavam presentes nessa festa frequentam o trance até hoje.
Um ano depois, toquei no Festival Mundo de Oz, o que me deu uma visibilidade muito grande e à partir daí comecei a tocar em mais festas em São Paulo e, pouco depois, em Minas Gerais.
Lauro Medeiros
Não sei dizer, e sou muito agradecido por dizer que o motivo é porque foram muitas.
Tiveram vários marcantes e elegir uma seria talvez desonesto comigo mesmo. Talvez o que me tenha marcado mais foi ter conhecido diversos índios Pataxós nos festivais e ter feito música com eles, no Soulvision de 2015, eu inclusive pude me apresentar com eles,
Lauro Medeiros
Isso foi repetido em outra escala no Universo Paralello de 2015/2016.
2SOUL AGENCY 2016 * Marambá @ Universo Paralello 13 – Bahia – …
Marambá no Universo Paralello Festival #Itapuã #Katyré #Pataxó #XamaBookings: 2Soul Agency
Posted by 2Soul Agency on Tuesday, February 16, 2016
Vídeo: Marambá + Índios Pataxós, apresentação no Universo Paralello
Costumo ouvir diversos estilos de música desde música clássica a étnica, chillout e ambient, mas dentro da música eletrônica psicodélica posso citar alguns que me inspiram como os trabalhos antigos do Infected Mushroom (principalmente o álbum Classical Mushroom), Electrypnose, Hallucinogen e os outros projetos do Simon Posford como Shpongle.
No âmbito da música mais acelerada, com certeza o Psykovsky, o Necropsycho e o Goa Gil foram de grande influência pra mim (hoje em dia eles são meus amigos também, o que devo dizer ser uma grande honra e um privilégio).
Matheus Henrique – Fotografia
{ Confira a resenha do Ritual Psycovsky 2017 – Green Dark Power }
É o tipo de música que me toca, me faz pensar e sentir diversas emoções que são difíceis de se expressar em palavras. Incluiria também o Dark Whisper, Kashyyyk, Gotalien, que é um dos artistas que mais tenho admirado ultimamente, tanto pela harmonia quanto pela energia que ele transmite, Glosolalia que me faz sentir coisas muito parecidas que o Psykovsky, e, é claro, o Angry Luna, que tem características únicas em termos de melodia e mixagem com as quais tenho muita afinidade e dono de uma das gravadoras que faço parte, a Ovni Records.
Espaço Libellula – Decoração & Bioconstrução Nacional }
Essa é uma pergunta difícil, pois ela abrange pelo menos duas questões: o que você ama fazer e o que tem uma boa resposta do público. Eu procuro não pensar muito na segunda questão, pois as pessoas geralmente me falam para não parar de fazer o que tenho feito, que eu continue nessa caminhada e nessa linha pois as faz sentir coisas únicas enquanto eu toco ou enquanto ouvem minha música em casa (são algumas das coisas que sou extremamente grato por ouvir).
Mas acho que minha força motriz, o que me motiva lá no fundo e talvez faça com que meu som tenha uma identidade, é que procuro usar tudo que acontece comigo e ao meu redor para influenciar no que estou fazendo, eles são meu combustível por assim dizer. Algumas das músicas que vejo que tocam mais as pessoas foram feitas durante ou depois de episódios muito marcantes na minha vida, seja encerrar um ciclo, conhecer um lugar novo, se apaixonar, terminar um relacionamento, algum evento de importância nacional ou global, etc. Eu demoro muito pra fazer uma música e fico remoendo aquela emoção durante semanas, chega a ser exaustivo, mas eu não sei outra forma de compor ou de usar a emoção que isso me carrega pra expressá-la nas músicas que tenho feito. Quando estou fazendo uma música eu fico ouvindo-a o tempo todo, tentando decodificar qual que é o timbre, o acorde ou a nota que irá concluir ou descrever de forma mais precisa o que eu quero “dizer”.
Kevin Giboshi Photography
Agora estou no México, tocarei no Ritual Festival e me sinto privilegiado e honrado em estar aqui, em um país que foi o berço de muitos projetos que admiro e em um festival tão grande e com uma proposta muito boa. O povo aqui é bastante receptivo, gosta de abraçar, conversar, tirar fotos, humildes e muito parecidos com nós brasileiros. É um sentimento de gratidão que não sei colocar em palavras quando vejo isso, que a música é uma linguagem universal, sabe?. Independente de nacionalidade, religião, cor e idioma, na hora do “vamo vê” somos todos iguais, com sentimentos e pensamentos muito parecidos, compartilhando da mesma essência e período de existência. Parece um clichê, eu sei, mas não sei como explicar isso melhor. Só posso garantir que é único e lindo, e sou extremamente grato por tudo isso <3
Neste momento da minha carreira, acredito que esteja havendo uma internacionalização do projeto, coincidindo tudo no mesmo ano. No começo de 2017, fui chamado para tocar em um festival no Uruguai, em junho e julho fui chamado pra Europa onde toquei na França, República Checa, Alemanha, Itália e agora estou no México também negociando festas em outras localidades.
Eu tive uma experiência recentemente organizando um evento com uma crew muito respeitada e conhecida de São Paulo chamada Cosmic Crew. Foi uma festa chamada Marambá Ritual (30/09/17), na qual toquei durante 8 horas (ritual é um nome que emergiu no movimento mais underground que remete quando um artista faz um live ou dj set maior que o comum de 2 ou 3 horas). Devo dizer que é um trabalho árduo o de organizar um evento e que envolve muitas coisas. Por enquanto, pretendo continuar explorando o aspecto musical mesmo.
Lauro Medeiros
Devo dizer que estou muito otimista com nosso país ultimamente (menos politicamente e economicamente falando, diga-se de passagem). Acredito que estamos vivendo um outro boom de festas e festivais pelo Brasil e vejo um potencial imenso. Nós somos um povo caloroso, gostamos de festa, de conversar e interagir, temos energia, temos uma raiz tribal muito forte que só senti até o momento algo parecido aqui no México, temos uma biodiversidade gigante que faz com que os festivais sejam muitas vezes marcados pelos ambientes no qual eles ocorrem como o Pulsar (Cachoeira Alta), Universo Paralello (Praia de Pratigi na Bahia), Ressonar (Chapada Diamantina), entre outros.
Não havia pensado em termos de desafio, mas acredito que uma comunicação maior entre os núcleos talvez, a elaboração de uma rota de festivais na qual você possa sair de um e ir à outro, seja no mesmo estado ou não. Hoje em dia, já vejo as crews se comunicando e se apoiando bastante e acredito que muito em breve chegaremos muito próximo de ser a maior e mais profissional cena de psytrance mundial (isso se não chegarmos de fato!).
Giuseppe Magnanimo
Sim, com certeza. Ultimamente vejo um profissionalismo e um comprometimento muito grande até das crews mais novas e isso só tende a crescer e a “viralizar”. Estamos vivendo uma época de redes sociais e isso faz com que seja mais fácil não apenas a divulgação, mas também os produtores de eventos avaliarem como o público responde ao artista X e qual o respaldo que ele tem dos profissionais que já trabalharam com ele, sejam outros organizadores, agências, gravadoras, etc.
Nunca desista, não importa o quão difícil seja, o quanto exige emocionalmente de você, independente de tudo, se você ama de verdade, se jogue, estude, nunca pare de estudar, sempre há algo novo pra aprender e absorver.
E o mais importante: não importa o que digam à você, nunca deixe que ninguém o faça pensar que você não merece ou não tem competência pra conseguir aquilo que você deseja. Muita gente (muita gente mesmo) me falou que eu nunca iria tocar, que eu nunca conseguiria festas por meu som ser muito rápido, muito diferente. Anos mais tarde, algumas dessas pessoas vieram me pedir VIPs pras festas que eu ia tocar (o famoso “o mundo dá voltas”).
Enfim, o trabalho duro no nosso país é subestimado. Com força de vontade, a gente pode dividir átomos, a gente pode mover montanhas. As maiores maravilhas desse mundo foram feitas por pessoas estranhas que pensam diferente, não se reprima e não se subestime. Vai fundo e segue o que tem dentro de você!
Você pode acompanhar o trabalho do Marambá