A palavra ayahuasca é originária da língua quéchua e quer dizer: “aya”– pessoa, alma, espíritu morto; “waska” – corda, trepadeira, liana, cipó; logo, traduzindo-se para o português ficaria “corda dos mortos” ou bem “trepadeira das almas“.
Ela consiste, geralmente, na cocção de duas plantas: as cascas e caules da liana da família Malphighiaceae, Banisteriopsis caapi, junto com as folhas do arbusto da família Rubiaceae, Psycotria viridis. Porém, os taxônomos sugerem a existência de outras 98 espécies que podem ser adicionadas à ayahuasca. Por exemplo, as aminas psicoativas e seus análogos (bufotenina e 5-MeO-DMT) contidos na bebida, também são constituintes de rapés e chás preparados a partir de diferentes espécies vegetais que crescem em várias regiões da América. No sul, a substância pode ser extraída por exemplo de sementes de Anadenanthera peregina ou de cascas de caules de Virola spp., Piptadenia, Mimosa hostilis, Diplopterys cabrerana (syn. Banisteriopsis rusbyana) e Lespedeza bicolor.
potenciais de ação (uma onda de descarga elétrica que percorre a membrana do neurônio após um estímulo, que implica uma alteração rápida na polaridade da voltagem, de negativa para positiva e de volta para negativa) que “carregam” uma informação. Ou seja, a sinapse permite que o impulso nervoso seja conduzido de um neurônio para o seguinte.
–sináptica (onde estão presentes os receptores para esses neurotransmissores) separados pela fenda sináptica, que é o espaço anatômico no tecido nervoso que se observa entre um axônio e sua célula de conexão (Moreira, 2013).
Os neurotransmissores são biomoléculas produzidas pelos neurônios que atuam como mensageiros químicos. Um deles é a serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT), conhecida como “o hormônio da felicidade”, e como tal, serve para conduzir a transmissão de uma célula nervosa para outra.
A serotonina tem efeito inibidor da conduta, juntamente a um efeito modulador geral da atividade psíquica. Assim, ela influi sobre quase todas as funções cerebrais e a variação na concentração dela está relacionadas a alterações de comportamento e humor, ansiedade, agressividade, depressão, atividade sexual, sono, fadiga, supressão de apetite, ritmo circadiano funções neuroendócrinas, temperatura corporal, na sensibilidade à dor, atividade motora e nas funções cognitivas (Feijo et al., 2010).
alcalóides mais importantes da B. caapi, como são a harmalina (HRL), harmina (HRM) e tetraidro-harmina (THH), são inibidoras da monoaminoxidase (MAO), uma enzima (um grupo delas, para ser mais exatos) que degrada neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina (monoaminas). É bem provável que você já tenha ouvido falar das IMAO em outro contexto, já que pelo antes explicado, são fármacos com propriedades antidepressivas, que favorecem a permanência da serotonina na fenda sináptica do neurônio. Essas substâncias são os primeiros antidepressivos desenvolvidos, e tornaram a depressão um problema com tratamento médico (semelhante a outras doenças como a diabetes e a hipertensão arterial), a pesar de ser muito polêmicos, pela sua grande quantidade de efeitos colaterais e potencial citotoxicidade (ou seja, ser tóxica para as células).
Por outra parte, a P. viridis, contém a N,N-dimetiltriptamina (DMT), um potente alucinógeno, também metabolizada pela MAO. A DMT é uma substância presente em raízes, caules e folhas de diversas plantas. Sua estrutura é semelhante ao neurotransmissor serotonina e além de estar presente nas plantas, também se encontra em tecidos de mamíferos e anfíbios, entre outros Em humanos, está no sangue, urina e no fluido cérebro-espinhal, ou seja, é uma substância endógena.
MAO; porém a harmina e a harmalina, e em menor extensão, a tetraidro-harmina (as Beta-carbolinas da liana), são potentes inibidores da enzima MAO. Desta forma, as Beta-carbolinas impedem a degradação da DMT no trato gastrintestinal, possibilitando que o fármaco fique disponível para ser absorvido (Pires et al., 2010).
Para o chá, o tempo para início dos efeitos é de aproximadamente uma hora após a ingestão. Esses efeitos, que são menos intensos que os produzidos pela DMT parenteral ou fumada, duram aproximadamente quatro horas (Brito, 2004).
The Clinic
Os efeitos subjetivos da ayahuasca foram avaliados através da Escala de HRS (Hallucinogen Rating Scale), que permite medir níveis de alucinação. A duração desses efeitos foi coincidente com os níveis de alcalóides presentes no plasma, variando entre visualização de imagens coloridas com olhos fechados, modificação dos processos perceptivos, cognitivos e afetivos.
A ayahuasca muda radicalmente os sistemas de prazer e motivação, afetando o fluxo, organização e ancora da consciência. Sob o efeito da ayahuasca, a imaginação e a visão tem a mesma resolução.
¿Como isso é possível?
Segundo explica o neurocientista argentino Mariano Sigman (2017), durante a percepção, (quando vemos alguma coisa), a informação vai desde os olhos até o tálamo, depois passa ao córtex visual, até a formação de memórias e finalmente chega ao córtex frontal.
Em contraste, com a ayahuasca, o córtex visual não se nutre dos olhos, senão do mundo interno. Durante a alucinação psicodélica, o circuito começa no córtex pré-frontal e dali se nutre da memória para fluir “contra-mão” até a córtex visual.
A transformação química do cérebro consegue (por mecanismos ainda desconhecidos) projetar a memória na córtex visual, como se fossem reconstrutoras da experiência sensorial que deu lugar a essas memórias!
Áreas funcionais do córtex cerebral.
De fato, sob efeito da ayahuasca, o córtex visual se ativa praticamente com a mesma intensidade vendo uma coisa do mundo material que imaginando-a, enquanto que sem a droga, o córtex visual se ativa muito mais ao ver que ao imaginar.
Por fim, a ayahuasca também ativa a Área Dez de Brodman, encarregada de formar uma ponte entre o mundo externo (o da percepção) e o do mundo interno (o da imaginação). Assim, a fronteira entre o mundo externo e o interno fica muito sutil, daí que muitas pessoas dizem se sentir “fora do corpo”.
Você pode saber mais sobre ayahuasca e o estado atual dos paradigmas da ciência com psicoativos na próxima edição de Neuropsy, Viagens da Consciência – Ayahuasca (II).
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Bibliografia consultada:
Brito, G.S. 2004. Farmacologia humana da hoasca (chá preparado de plantas alucinógenas usado em contexto ritual no Brasil). Em: Labate BC. O uso ritual da ayahuasca. Campinas: Mercado de Letras Edições e Livraria, p.623-71.
Feijo, M.F., Bertoluci & C.M, Reis, C. 2010. Serotonina e controle hipotalâmico da fome: uma revisão. Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS.
Guimarães dos Santos, R. 2007. Ayahuasca: neuroquímica e farmacologia. Revista eletrônica Saúde Mental, Álcool e Drogas. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog, v3, n°1, versão on-line.
Medicina Explicada (Web). Sinapses. Disponível on-line.
Moreira, C. 2013. Neurónio. Revista de Ciência Elementar, 1(01):0006.
Pires, A.P.S, Oliveira, C.D.R. & Yonamine, M. 2010. Ayahuasca: uma revisão dos aspectos farmacológicos e toxicológicos. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, 31(1), p.15–23.
Sigman, M. 2017. La vida secreta de la mente. 8ª edição. Debate. Buenos Aires, Argentina, p.186-188.